25 fevereiro 2007

Ricard Girald Miracle

«Numa época de renovações de toda a ordem e de desenvolvimento nas ciências (...) o melhor artista será aquele que, á inspiração e conhecimento artístico, consiga aplicar conhecimentos técnicos».
Ricard Girald Miracle

Nascido em 1911, em Barcelona, Ricard Giralt Miracle possuiu uma educação e formação apoiadas nos pensamentos renovadores do começo de século. Com um notável conhecimento em gravura e litografia herdados de seu pai, Miracle viria a interessar-se pelas propostas gráficas nouvecentistas, as que segundo escreveu Francesc Fortbona, “constituíram um subtil gesto de identidade do movimento moderno e foram de especial eficácia para a consolidação do mesmo na vida quotidiana”. Por outro lado, Miracle assumiria um compromisso com uma modernidade fiel á tradição e ás origens clássicas e mediterrâneas, para que desta forma o seu trabalho se tornasse fruto da própria cultura. É em meados dos anos vinte que ingressa como aprendiz na oficina da editora Seix y Barral , o que permitiu o contacto com a produção gráfica dos novecentistas, com a estética de Penagos, Ribas e Jeren (muito próximos da ilustração) e ao mesmo tempo com as formulações modernas que se apresentavam nas páginas das revistas Arts e Métiers Graphiques de Paris e Gebrauschsgraphic de Berlim. Foi através destas publicações que conheceu as obras de Cassandre, Tschichold e Herbert Bayer que viriam por sua vez a determinar a linha do seu trabalho nos anos 40. Nesta mesma época, familiarizou-se com as técnicas fotográficas e seguiu de perto as actividades relacionadas com a arte moderna em Barcelona. A sua crescente curiosidade pelas novas formulações estéticas, fez com que em 1938 participa-se no curso leccionado por Josep Lluis Sert na Ateneu Enciclopèdic. Josep comungava dos ideias racionalistas e das ideologias promovidas pela Bauhaus.

No pós-guerra - desde o Seix y Barral e a partir de 1947 desde a sua própria empresa, Filograf - Girald Miracle focalizou-se na procura de uma trajectória inovadora. Foram tempos de ecletismo, Miracle, utilizou indistintamente todos os recursos que possuía para alcançar composições tipográficas próximas da estética construtivista, imagens com raízes nos cartazes franceses dos anos trinta ou composições de inspiração surrealista. Pode-se mesmo afirmar que a sua obra correspondente aos finais dos anos quarenta e inicio dos anos cinquenta se aproximou da ilustração, talvez por influência dos trabalhos de outros artistas europeus e americanos ( publicados em revistas como a Domus, Plaisir de France e Graphis) que marcavam neste momento a mudança nas artes gráficas. Estas referências tornaram-se fundamentais para Miracle, visto trabalhar num país onde os únicos símbolos de modernidade nos anos cinquenta foram alguns artistas exilados e grupos como Dau al Set que aglutinou poetas, pintores, escultores, o Grupo R no campo da arquitectura e o ADI-FAD no design. Apesar disso, o seu esforço foi notável, na medida em que contrariava a tendenciosa separação de funções. Pretendia a perfeita simbiose entre o criador e o artesanato, entre a ideia e a prática, anulando assim a impossibilidade de materializar um trabalho por problemas de desconhecimento entre o técnico e o artista, visto ser o mesmo a realizar as duas funções.

Circundando estes grupos que persistiam em restaurar a Catalunha e induzir o espírito do Movimento Moderno, Giralt Miracle optou em meados dos anos cinquenta por vias de carácter experimental que singularizassem a sua personalidade. Em poucas ocasiões se viria a observar uma obra como a deste artista, na qual arte e técnica se tornavam numa disciplina só. Estes anos constituíram assim uma segunda etapa, pois converteu a sua oficina, Filograf, numa empresa que lhe assegurou a subsistência através de cargos comerciais e também, num estúdio em que podia trabalhar livremente, a partir de fórmulas de vanguarda. Trabalhou especialmente a collage, a pintura, a tipografia e a fotografia. Utilizou também os tipos móveis, a fotocomposição, os recursos tradicionais da composição tipográfica, a aplicação heterogénea das tintas e da estampagem e a variação de suportes. Muitos dos seus trabalhos de então, reflectiram peculiaridades estéticas do surrealismo, do informalismo da Dau al Set e do Grupo R, uma consequência lógica da sua relação pessoal e profissional com alguns membros de ambos os colectivos – em especial com Brossa, Tàpies, Tharnats e Oriol Bohigas.

Este espírito dinâmico resultante das propostas plásticas modernas fez com que o designer cria-se uma linha editorial – Pen, Produções Editoriais do Nordeste – onde Juan Eduardo Cirot foi acessor. Esta produção viria a lhe permitir publicar textos de interesse e, desta forma, ensaiar novos esquemas gráficos e tipográficos. Foi em especial uma altura extremamente criativa para Giralt Miracle, caracterizada pela produção de uma obra muito diversa que inclui, entre outros trabalhos, capas de livros com ilustrações evocadoras de Picasso e do universo formal de Miró, composições tipográficas puras e encadernações estruturadas a partir da cor e da textura do papel. Apareceu assim, Giralt Miracle tipógrafo, que realizou uma série de fontes para a produção industrial, e também Giralt Miracle artesão, culturalmente inquieto, que tentou através da criação livre, contactar com as iniciativas artísticas mais relevantes do momento. Segundo ele mesmo, anos mais tarde, procurou um ponto de encontro entre a lírica, a poesia visual, a collage, a fotomontagem, a tipografia experimental, a bibliografia, o espírito vanguardista... Assim, talvez sem amarras, apoiou e comungou dos princípios da Bauhaus, estes que insistiram em estabelecer a ligação entre as inovações plásticas e tecnológicas, de forma a que a arte moderna tivesse uma presença real na vida quotidiana. É também devido á influencia desta escola, e principalmente de Herbert Bayer, que se introduz no caminho do experimentalismo, com propostas vanguardistas.

Tal como escreveu Alexandre Cirici, foi “ O primeiro da nova vanguarda, numa obscura pós-guerra.” Miracle procurou durante toda a sua carreira de mais de meio século, uma “arte sem fronteiras”, onde se conjugava o seu amor pela letra, a poesia visual, e o espírito vanguardista. Os objectos que produziu não possuíam um mera função estética, eram sim instrumentos de propaganda e sensibilização social. As suas preocupações relativas ao papel, á forma dos tipos, espaçamentos e margens, foram igualadas a William Moris e viria mesmo a ser considerado o pai da tipografia espanhola neste século.


Cartaz para o «V Salão do Lar Moderno», 1955


Postal de natal da Filograf RGM, 1953


cartaz para a 2ª exposição «Indústria e arquitectura» do Grup R, 1954

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